sexta-feira, 3 de abril de 2020

LÁGRIMAS DE BOLSONARO

Juan Arias - El País - 2 DE ABRIL DE 2020 - 19:30 BRT

Presidente Jair Bolsonaro, nesta quarta-feira em Brasília. 

REUTERS

Existem milhares de razões para Bolsonaro chorar além do medo de que seus ministros ou militares o abandonem.

Não é mais um segredo que o presidente Jair Bolsonaro sofra uma crise de choro. Algumas vezes no silêncio da noite, como ele próprio confessou, e outras antes de alguns de seus interlocutores do Planalto ao publicar Igor Gielow na coluna da Folha de S. Paulo .
Pode surpreender que o ex-capitão de pára-quedista, um atleta militar, que defenda a ditadura e a tortura, cuja paixão seja armas, possa chorar. Dizem que ele chora porque se sente atacado por todos, especialmente pela imprensa que diz que o odeia. E porque ele começa a perder milhões daqueles que votaram nele e hoje lamentam. E ele não sabe como reconquistá-los.
Sabe-se que suas preocupações, mais do que a tragédia do coronavírus, são se ele pode ou não ser reeleito em 2022 ou se deve deixar a Presidência antes do final de seu mandato. Tudo isso, no entanto, poderia provocar raiva, raiva e vingança. Mas chorar? Não é fácil encontrar presidentes importantes da república com uma crise de choro no mundo. Você pode imaginar um Putin e até um Trump chorando porque eles perdem consenso?
No choro, há uma grande literatura psicológica. Sabemos que, como rir, chorar também é uma faculdade exclusiva dos seres racionais. Animais não choram. E os humanos choram mais com dor, emoção e alegria que com medo. Diz-se que as mulheres choram mais que os homens, mas é mais cultural que biológico. É atávico. Diz a lenda que quando o último rei islâmico de Granada na Espanha, Boabdil, ao deixar a Alhambra, depois de entregar as chaves dos monarcas católicos em 1492, sua mãe, Sultana Aixa, pronunciou a famosa frase: “chora como mulher o que não soubestes defender como homem ”. Nessa frase, toda a literatura do mito da suposta fragilidade da mulher que chora diante do perigo está incluída. Homens não choram.
O que seria interessante saber é se o presidente que chora em suas noites sem dormir - além de chorar porque se sente incompreendido e com medo de ser removido do trono - também chora por outros motivos nobres, como os males que o Brasil sofre. E certamente não faltam razões para sofrer, chorar e se interessar neste país hoje assustado com a epidemia de coronavírus e onde milhões de pessoas sonham com um emprego que lhes permita viver decentemente e que hoje temem perder o pouco que resta.
Existem milhares de razões pelas quais Bolsonaro pode chorar mais nobre do que o medo de que seus ministros mais importantes ou as forças armadas de seu governo o abandonem. Há motivos para chorar ao ver a ganância dos bancos que penduram milhões de trabalhadores com seus interesses entre os maiores do mundo e que permanecem impassíveis e frios hoje também diante da tragédia da epidemia. Há motivos de dor diante do mar de privilégios dos políticos e das castas que resistem à morte e que ofendem a dignidade daqueles que sofrem necessidades e são deixados à sua sorte.
Seria um ponto a seu favor, se Bolsonaro, o duro, também pudesse chorar por se sentir responsável por todas as lágrimas derramadas neste país por aqueles que mais precisariam de ajuda; de toda a dor das mães que perdem seus filhos vítimas de violência para a qual os políticos parecem desviar o olhar. E, embora fosse pedir muito, ele também pôde chorar pelo assassinato contínuo da Amazônia e de seus habitantes, que acham difícil aceitar que eles são tão ou mais humanos que nós, mesmo sendo eles que melhor preservam os valores da Amazônia. Homo sapiens e que nossa civilização esqueceu.
É possível que as crises de choro que afligem Bolsonaro sejam um alarme de algum distúrbio psíquico, como alguns tentam insinuar. Mas o que mais preocupa é que um presidente do tamanho do Brasil, com milhões condenados ao abandono, condescende ao mesmo tempo com um capitalismo que assassina os mais pobres e excluídos do sistema.
Não sabemos a verdadeira razão do choro do presidente, mas certamente não parece que foi, por exemplo, os idosos que, segundo ele, não se importariam em deixá-los serem devorados pela epidemia. Nem para os mais pobres e marginalizados do sistema, nem para os diferentes, não atletas, aqueles que já foram punidos pela natureza e deixados para trás pela humanidade.
Hoje, o Brasil, mais do que lágrimas do presidente, precisa de políticas corajosas para recuperar uma sociedade doente de medo, porque não sabe se quem deve cuidar dele prefere continuar mantendo seus privilégios e sua ganância pelo poder, em vez de se sacrificar pelo seu resgate. social e político.
Pior que o choro dos poderosos são as lágrimas que os mais pobres e perseguidos têm que engolir antes de alcançarem o rosto endurecido pelo abandono condenado por um poder alérgico aos pobres, uma palavra que lhes custa até pronunciar.
Eles existem. Os pobres e esquecidos, que são maioria, serão amanhã, ou talvez hoje, os juízes daqueles que não podem chorar por eles e com eles. A raiva dos pobres e esquecidos pode ser mais perigosa e mortal do que a da epidemia que nos ameaça a todos e está nos forçando a fazer um exame completo da consciência.
extraído do jornal El País- Espanha. - 02 de abril de 2020.