Barco "MarSemFim" do Com. João Lara Mesquita. |
" 5/4/12 –
8 horas da manhã. Consegui dormir duas horas esta noite num alojamento da base Frei junto com meus três companheiros. Os chilenos são sensacionais. Nos tratam como velhos amigos. Mais uma prova da inacreditável solidariedade antártica de que já falei.
Retomo agora o relato de ontem.
Conseguimos fundear numa manobra perfeita com o Plínio ao leme. Foi muito difícil chegar no ponto perfeito de fundeio. Quando isto acontecia o ferro não descia porque a corrente estava congelada. Manoel dava marteladas para que descesse quase que elo por elo. Enquanto isto o vento empurrava o barco para fora do lugar correto. Então era preciso recolher e começar tudo de novo.
Numa das vezes que trouxemos o segundo ferro para cima (a esta altura o primeiro já estava grudado no fundo do mar com toda a corrente solta), no exato momento em que saiu da água foi envolvido por uma enorme pedra de gelo. Explicação: a água do mar está entre um a zero graus positivos, já a temperatura do ar marca menos 6ºC. Assim que o ferro saiu fora d’água ficou congelado. Foi assutador ver aquilo. Eu estava na proa ajudando o Manoel com o guincho e olhando pra água. Percebi os contornos da âncora vindo à tona em perfeito estado. Mas no mesmo momento em que começou a sair da água, automaticamente se congelou. Uma bola de gelo se formou em torno. Dava pra ver lá no meio os contornos da âncora…
Finalmente, na terceira ou quarta tentativa, conseguimos o fundeio perfeito.
Então, com vento muito forte e ondas altas, o bote da base Frei veio até nós. Nosso dembarque foi uma epopéia. Ondas de mais de um metro e meio e vento com mais de 40 nós faziam com que o bote saltasse para um lado e outro, como um cavalo chucro num rodeio. Quando ele conseguia chegar bem próximo cada um de nós, a seu tempo, se jogava nos braços dos três tripulantes chilenos (havia mais um no comando ). Felizmente todos entraram em segurança.
Em seguida, mesmo com o bote cheio d’água (as ondas entravam pela popa e saiam pela proa), conseguiram nos trazer em segurança até a praia.
No conforto do interior da base o comandante Eduardo nos contou que há dois dias eles esperavam nosso naufrágio nas pedras para qualquer momento. Dormiram com as roupas secas ao lado da cama, enquanto um deles vigiava nossas manobras, esperando não perder tempo quando o desastre se consumasse. Ficaram espantados com nossa perícia e nos parabenizaram pelas manobras.
O Mar Sem Fim agora luta sozinho. Meu barquinho caturra (balanço no sentido longitudinal) subindo e descendo as ondas, mas por enquanto está firme no mesmo lugar.
Hoje, dia 5/4, a temperatura desceu para menos 9 graus centígrados. O furacão deve entrar esta noite ou madrugada. São esperados 80 nós de vento (cerca de 150 quilômetros por hora). A temperatura deve cair para menos 14ºC. Nunca torci tanto para uma previsão estar errada. Este será o dia decisivo para o Mar Sem Fim."
Acima o relato dramático do Comandante João Lara Mesquita dando a real situação de seu barco Mar Sem Fim, fundeado na Enseada Ardley, defronte à Base Chilena "Presidente Eduardo Frei Montalva", na Antártica e que, depois de muita luta, naufragou ontem pela manhã na Bahia Maxwel. Grande navegador, Lara Mesquita estava naquela região produzindo mais um maravilhoso documentário para seu blog " marsemfim". http://www.marsemfim.com.br/
Lara Mesquita para quem não conhece, foi diretor por muitos anos da Rádio e Estúdio Eldorado, pertencentes ao Jornal "O Estado" e é um dos jornalistas mais respeitados na Imprensa brasileira. Jornalista, escritor, fotógrafo e músico por excelência, Lara Mesquita capitaneou com extrema competência a Rádio Eldorado por muitos e muitos anos, sendo criador e responsável, entre outras programações, pelo Prêmio Eldorado de música. Lá, desde a primeira edição em 1985, foram descobertos e lançados inúmeros artistas de importância no cenário musical do Brasil, como o Maestro Minczuk, reconhecidíssimo nos dias de hoje. Também revelados nosso violonista gaúcho Yamandú Costa, André Mehmari, Mônica Salmaso e tantos outros. Uma das suas marcas é a luta pela preservação do meio ambiente, sempre participando de movimentos de preservação, como a despoluição do Rio Tietê, a luta pela proteção da Mata Atlântica e nas campanhas de aprovação de Leis no Congresso Nacional. Entre os anos de 2001 e 2004 Lara Mesquita foi conselheiro do Greenpeace e é Capitão Amador desde os anos 1990, razão pela qual encontráva-se navegando por aqueles mares, já que se dedica hoje quase que exclusivamente as coisas da natureza, em especial estudar e divulgar questões relativas ao mar e a zona costeira da América do Sul, em especial. Para nossa alegria,o Comandante Lara Mesquita e sua tripulação estão bem, devidamente alojados na Base Chilena aguardando a chegada de "melhores ventos" para o retorno ao Brasil e a seus familiares.
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