sábado, 25 de janeiro de 2025

 


O fim do mundo, embora tão discreto

              Julián Fuks - Colunista de Ecoa - UOL



O presidente dos EUA, Donald Trump, dança enquanto ele e a primeira-dama, Melania Trump, chegam à arena Capital One, em Washington, nos EUA.

Parece até absurdo reputá-lo discreto: o fim do mundo tem cútis laranja e cabelos de labareda. Quando fala, sua cabeça pende, suas sobrancelhas se arqueiam, seus lábios se franzem, seu rosto inteiro se contorce numa careta. O fim do mundo insulta, esbraveja, protesta, faz bravatas estapafúrdias, mente. Mas parece que todos aprendemos a ouvi-lo com alguma fleuma e no instante seguinte esquecê-lo. O fim do mundo já não nos concerne.

O fim do mundo foi eleito democraticamente, embora não tenha pela democracia nenhum apreço — quando perdeu, tratou de destruir o mesmo prédio onde celebrou sua posse desta vez. O fim do mundo quer passar como defensor da paz, e se arvora de costurar acordos que nada devem a ele.

O fim do mundo inventa inimigos inexistentes, internos e externos, e inventa maneiras esdrúxulas de irritar cada um deles. O fim do mundo quer tomar para si a maior ilha do planeta, quer mudar o nome dos golfos, quer controlar a passagem entre os oceanos. O fim do mundo é um provocador barato, que nos causa riso quando deveria causar repulsa… -

O fim do mundo prega o discurso livre, exige a liberdade de destruir em palavras o outro, a verdade, a razão, a justiça. O fim do mundo se incomoda quando não pode difundir ao máximo seu discurso de perseguição e ódio. O fim do mundo tem um porta-voz bizarro, que faz saudação nazista fingindo que é afago no coração.

 O fim do mundo se finge de decisão protocolar. Apenas retira sua assinatura de um acordo internacional, e com isso ganha leveza para continuar a exercer seus prazeres de fim de mundo. Explora, consome, queima, calcina. O fim do mundo não sente calor nenhum, não vê mais que acaso em tempestades, inundações, incêndios, tufões. O fim do mundo não acredita no fim do mundo…

Tentaram matar o fim do mundo. Acreditaram que poderiam matá-lo com um tiro, acertaram de raspão sua orelha. Discutiu-se com razão a brutalidade insana com que um homem quis se livrar do problema. Todos vimos como ainda é eficiente, como se mantém em forma o fim do mundo no nosso século. Em todo caso, é bem evidente que um tiro certeiro causaria apenas a morte trágica de um homem, e não o fim do fim do mundo.

O fim do mundo é uma notícia velha, a mesma notícia de uns anos atrás, a mesma notícia em tantos países. Ninguém aguenta mais que se fale em fim do mundo. O fim do mundo empalidece diante do futebol, do cinema, da literatura em seus flagrantes escândalos. Não é de todo injusto: a vida importa mais que o fim do mundo. O fim do mundo já não provoca a comoção que provocou um dia… -

sobre o autor: Julián Fuks é escritor e crítico literário. Nascido em São Paulo em 1981, é autor de A ocupação (2019) e A resistência (2015), livro vencedor dos prêmios Jabuti, Saramago, Oceanos e Anna Seghers. É doutor em Teoria Literária e mestre em Literatura Hispano-americana, ambos pela Universidade de São Paulo. Suas obras já foram traduzidas para nove línguas e publicadas em diversos países.

        DIGO EU: o autor expressou o que todas as pessoas de bem neste mundo pensam!!!