Julián Fuks - Colunista de Ecoa - UOL
O presidente dos EUA, Donald Trump, dança enquanto ele e a primeira-dama, Melania Trump, chegam à arena Capital One, em Washington, nos EUA.
Parece até absurdo reputá-lo
discreto: o fim do mundo tem cútis laranja e cabelos de labareda. Quando fala,
sua cabeça pende, suas sobrancelhas se arqueiam, seus lábios se franzem, seu
rosto inteiro se contorce numa careta. O fim do mundo insulta, esbraveja,
protesta, faz bravatas estapafúrdias, mente. Mas parece que todos aprendemos a
ouvi-lo com alguma fleuma e no instante seguinte esquecê-lo. O fim do mundo já
não nos concerne.
O fim do mundo foi eleito
democraticamente, embora não tenha pela democracia nenhum apreço — quando
perdeu, tratou de destruir o mesmo prédio onde celebrou sua posse desta vez. O
fim do mundo quer passar como defensor da paz, e se arvora de costurar acordos
que nada devem a ele.
O fim do mundo inventa inimigos
inexistentes, internos e externos, e inventa maneiras esdrúxulas de irritar
cada um deles. O fim do mundo quer tomar para si a maior ilha do planeta, quer
mudar o nome dos golfos, quer controlar a passagem entre os oceanos. O fim do
mundo é um provocador barato, que nos causa riso quando deveria causar repulsa…
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O fim do mundo prega o discurso
livre, exige a liberdade de destruir em palavras o outro, a verdade, a razão, a
justiça. O fim do mundo se incomoda quando não pode difundir ao máximo seu
discurso de perseguição e ódio. O fim do mundo tem um porta-voz bizarro, que
faz saudação nazista fingindo que é afago no coração.
Tentaram matar o fim do mundo.
Acreditaram que poderiam matá-lo com um tiro, acertaram de raspão sua orelha.
Discutiu-se com razão a brutalidade insana com que um homem quis se livrar do
problema. Todos vimos como ainda é eficiente, como se mantém em forma o fim do
mundo no nosso século. Em todo caso, é bem evidente que um tiro certeiro
causaria apenas a morte trágica de um homem, e não o fim do fim do mundo.
O fim do mundo é uma notícia
velha, a mesma notícia de uns anos atrás, a mesma notícia em tantos países.
Ninguém aguenta mais que se fale em fim do mundo. O fim do mundo empalidece
diante do futebol, do cinema, da literatura em seus flagrantes escândalos. Não
é de todo injusto: a vida importa mais que o fim do mundo. O fim do mundo já
não provoca a comoção que provocou um dia… -
sobre o autor: Julián Fuks é escritor e crítico literário. Nascido em São Paulo em 1981, é autor de A ocupação (2019) e A resistência (2015), livro vencedor dos prêmios Jabuti, Saramago, Oceanos e Anna Seghers. É doutor em Teoria Literária e mestre em Literatura Hispano-americana, ambos pela Universidade de São Paulo. Suas obras já foram traduzidas para nove línguas e publicadas em diversos países.
DIGO EU: o autor expressou o que todas as pessoas de bem neste mundo pensam!!!